quinta-feira, 4 de novembro de 2010

EFEITO CONSTITUTIVO DO REGISTRO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS

1- Introdução

A compra e venda é uma espécie de contrato bilateral, oneroso, comutativo ou aleatório, mediante o qual o vendedor assume a obrigação de transferir bem ou coisa alienável e de valor econômico ao comprador, que por sua vez assume a obrigação de pagar certo preço em dinheiro. O momento da aquisição da propriedade na compra e venda, apesar de expressa disposição legal, ainda gera dúvidas e acarreta em diversos problemas para a sociedade brasileira em geral. Em sentido contrário ao que foi adotado na França e em Portugal, por exemplo, o sistema jurídico brasileiro não atribuiu ao contrato de compra e venda o efeito translatício da propriedade. Esta transferência da propriedade se dá com a tradição do bem quando móvel, nos termos do artigo 1226 do Código Civil, e com o registro no serviço registral imobiliário competente, quando se referir a bens imóveis, conforme dispõe o artigo 1227 do referido diploma legal. Pois bem, passaremos à questão em debate, qual seja, a necessidade e a importância do registro na transferência da propriedade imobiliária.

O contrato de compra e venda de imóvel não representa, por si só, na aquisição do direito real de propriedade pelo comprador quando se tratar de bens imóveis. De acordo com o artigo 1245 do Código Civil: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. Caso o vendedor e o comprador acordem no objeto e no preço, a compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, conforme previsão do artigo 482 do Código Civil. Entretanto, estes efeitos referem-se somente ao contrato celebrado, gerando apenas um direito obrigacional entre as partes contratantes. O registro, por sua vez, não é influenciado de forma alguma pela simples conclusão de acordo e concretização do contrato pelo transmitente e pelo adquirente do imóvel. É necessário que a parte interessada leve o título translativo perfeito a registro, para seja constituído o direito real de propriedade em nome do adquirente.
São várias as conseqüências provenientes da falta do registro de um contrato de compra e venda. A principal delas está prevista no §1º do artigo 1245 do Código Civil, que dispõe: “Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. Esta premissa gera uma insegurança jurídica alarmante às partes. Imaginem, por exemplo, se o alienante é executado por uma dívida qualquer. O exeqüente poderá promover a penhora e a futura arrematação do imóvel cujo contrato de compra e venda foi celebrado, mas não registrado, acarretando em diversos prejuízos ao adquirente, que deverá recorrer à uma longa “batalha” judicial para que o direito real seja a ele conferido.

2- Importância
do Registro de Imóveis no Brasil

O sistema registral imobiliário brasileiro adquire cada vez mais importância nos diversos negócios imobiliários, dada a grande abrangência dos efeitos. O registro de imóveis não tem como única função dar publicidade declarativa aos atos, como se pensava há muito tempo. No Brasil, adota-se o sistema misto, sob o qual o registro pode conferir o efeito declaratório da publicidade, como numa sentença de usucapião, por exemplo, ou o efeito constitutivo da mesma, sob o qual a publicação é considerada substancialmente necessária à constituição de um determinado direito ou à sua evidência, como ocorre na compra e venda de bens imóveis. A principal função do registro de imóveis é “dar vida”, “fazer surgir” os direitos reais arrolados em “numerus clausus” no artigo 1225 do Código Civil.
Outro efeito que decorre do registro é a segurança jurídica atribuída ao ato. O ilustríssimo doutrinador Francisco Amaral assim a definiu: “segurança jurídica significa paz, a ordem e a estabilidade e consiste na certeza de realização do direito. Os sistemas jurídicos devem permitir que cada pessoa possa prever o resultado de seu comportamento, o que ressalta a importância do aspecto formal das normas jurídicas, a sua forma de expressão. O direito tem, por isso, como um de seus valores fundamentais, para muitos o primeiro na sua escala, a segurança, que consiste, precisamente, na certeza da ordem jurídica e na confiança de sua realização, isto é, no conhecimento dos direitos e deveres estabelecidos e na certeza de seu exercício e cumprimento, e ainda na previsibilidade dos efeitos do comportamento pessoal”. No momento em que é efetuado o registro ocorre a transferência da propriedade e esta presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário, gerando uma garantia ao adquirente de que seu direito real em nada será atacado, salvo se houver justa causa, provada judicialmente. Ainda acerca da segurança jurídica advinda do registro imobiliário, Ademar Fioranelli afirma que “a precisão do Registro Imobiliário no mundo dos negócios é vital para que neles existam, de forma irrepreensível, segurança e confiabilidade, verdadeiros pilares que hão de sustentá-lo. Sem essas bases sólidas, os negócios imobiliários, via de regra vultosos, estariam sujeitos a fraudes, prejuízos, decepções e irreparáveis danos aqueles que dele se valessem. Assim, a segurança e a confiabilidade transmitidas pelo registro é que proporcionam a estabilidade nas relações entre os participantes dos múltiplos negócios realizados nessa área”.
Acrescenta-se ainda como função do registro de imóveis a fiscalização dos tributos incidentes sobre os mais negócios jurídicos, tal como prevê o artigo 134, VI do Código Tributário Nacional.

3- Conclusão

Diante do acima exposto, concluímos que as partes contratantes ao celebrarem um contrato de compra e venda de imóveis devem se ater a alguns fatores básicos. Primeiramente, deve ocorrer a congruência de três elementos fundamentais: o consentimento, o preço e a coisa. O primeiro se define como a vontade recíproca do comprador em comprar e do vendedor em vender, uma coisa por um determinado preço. O segundo, de acordo com Washington de Barros Monteiro, “é, efetivamente, o elemento vital, o traço mais característico da compra e venda; é a soma em dinheiro que o comprador paga, ou se obriga a pagar ao vendedor, em troca da coisa adquirida”. O terceiro, por sua vez, é a obrigação do vendedor de transmitir o domínio de coisa determinada ou determinável ao comprador, atendendo as necessidades solicitadas por este.
Após a verificação dos três elementos acima identificados, as partes devem adentrar à forma do título a ser celebrado. De acordo com o artigo 108 do Código Civil: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Diante desta premissa, percebe-se que caso o contrato de compra e venda se refira a imóveis, cujo valor supere a trinta salários mínimos, o negócio jurídico deve ser celebrado através de escritura pública. Um ponto importante nesse contexto é o fato de que o valor do negócio jurídico não é o atribuído pelas partes, mas sim o valor venal do imóvel a ser transmitido.
Encerradas as fases supracitadas, o adquirente, salvo disposição em contrário, deve encaminhar o título ao registro de imóveis competente. Nesta fase, o título se torna eficaz desde o momento em que é apresentado ao oficial do registro, e este o prenota no protocolo, nos termos do artigo 1246 do Código Civil. Após a prenotação, o título se sujeita a uma análise profunda do oficial a fim de verificar se o referido instrumento atende aos princípios norteadores do sistema registral imobiliário, que são: o da segurança jurídica, o da inscrição, o da presunção e fé pública, o da prioridade, o da especialidade, o da legalidade, o da continuidade, o da instância, o da publicidade e o da concentração. Atendidos todos esses requisitos, o título se torna apto a registro e desde então, o adquirente obtém o direito real de propriedade, que nada mais é do que um poder direto e imediato sobre a coisa, oponível “erga omnes”, que atribui ao seu titular a faculdade de usar, gozar e dispor do imóvel, além de reavê-lo em face de quem injustamente o possua ou detenha.

Fonte: Henrique Ananias dos Santos Mangualde

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