domingo, 1 de maio de 2011

MÃOS À OBRA

O mercado imobiliário está pressionado por gargalos: falta de mão de obra; grandes centros sem terrenos; infraestrutura precária em áreas afastadas; cartórios superlotados; preços de imóveis de alta renda subindo e os de baixa renda com limites. A alta da inflação e a dos juros tiram renda das famílias e encarecem financiamentos, apesar de o crédito imobiliário não ser ligado diretamente à Selic.

Executivos de algumas das principais construtoras do país são unânimes em afirmar que o ritmo de crescimento do seu próprio mercado deveria ser mais lento. O preço dos terrenos subiu muito, os reajustes de salários estão sendo sempre acima da inflação, os fornecedores estão esgotando sua capacidade de atender à demanda, os cartórios não conseguem processar a papelada. Tudo ajuda a aumentar os custos.

Há uma distorção entre os segmentos de alta e média renda em relação aos de baixa renda. Os preços dos imóveis de maior renda têm tido forte aumento, mas no mercado de baixa renda os preços não podem subir porque, do contrário, perderão benefícios e linhas de financiamento. Há impedimentos burocráticos, mesmo que os custos fiquem mais altos, como explica o presidente da MRV Engenharia, Rubens Menin:

— Há um teto de preço para o mercado de baixa renda, imposto pelo Fundo de Garantia, pelo número de salários mínimos, pelo Minha Casa, Minha Vida. A MRV é a única construtora brasileira 100% focada em baixa renda. Esse é um setor que não permite erro, é tudo contado, não pode ter inconsistência. Por isso, preferimos correr em ritmo de maratona. O ideal é que o crescimento seja moderado, por um período mais longo — afirmou.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Simão, constata que os gargalos já estão obrigando as construtoras a reduzir o ritmo de lançamentos em todos os segmentos. Ele prevê que o crescimento do setor este ano desacelere de 11,5%, em 2010, para cerca de 6%:

— O setor passou a andar rápido demais, mas por bons motivos: novo marco regulatório, abertura de crédito, a atenção dada ao setor por agentes financeiros, nova massa de consumidores. Então quando as amarras se soltaram, foi forte demais num primeiro momento. Há gargalo de mão de obra, terrenos, burocracia, acúmulo de problema nos cartórios.

Rogério Jonas Zylbersztajn, vice-presidente da Cyrela, acha que está acontecendo no mercado imobiliário o mesmo que em outros setores da economia brasileira:

— Estamos lidando com gargalos em vários setores, não é só na construção civil. É assim no mercado de telefonia, nos aeroportos, nos hotéis, é gargalo para tudo quanto é lado. De mão de obra, por exemplo, é geral. A Cyrela nunca havia atrasado obra e agora está atrasando. E não somos só nós, mas todas as construtoras. Como bater uma estaca se não há estaca para comprar? Você abre processo de concorrência e fornecedores preferem não participar porque sabem que não conseguirão produzir. Nunca havia visto isso acontecer. A compra de elevadores, por exemplo, está atrasando. Tudo isso gera uma preocupação muito grande porque ninguém sabe como esse tipo de problema será resolvido.

A falta de mão de obra é vista como o maior gargalo. Rubens Menin, da MRV, explica que a produtividade aumentou muito nos últimos anos. Isso dificulta ganhos de escala por esse meio. Ele cita que em 2004, por exemplo, eram necessários 12 trabalhadores para construir um apartamento em um mês. Hoje, sete dão conta do recado. Rogério Jonas, da Cyrela, diz que nem mesmo no Nordeste encontra-se mão de obra disponível para treinamento.

A mesma avaliação é feita por Alexandre Dinkelmann, diretor de RI da Brookfield Incorporações:

— O principal desafio, a meu ver, está na mão de obra, principalmente a semiqualificada, como pintores, carpinteiros, bombeiros hidráulicos. A aprovação de documentos por parte de órgãos públicos também não está acompanhando o crescimento do setor. O ciclo de entrega de documentos está ficando mais longo — disse.

Uma das opções para a falta de terrenos nos grandes centros seria a construção em áreas mais afastadas, mas aí as construtoras encontram novas barreiras, pela falta de planejamento urbano.

— Falta de tudo, desde transporte para as pessoas a redes de água, esgoto, luz — diz Menin.

A alta da inflação e dos juros são vistos pelo mercado financeiro como entrave, mesmo que o crédito imobiliário não responda diretamente à Selic. O Imob, índice que mede os papéis das construtoras, apresenta queda de 7% este ano. Algumas sentiram mais os efeitos, como Cyrela (-21%), Gafisa (-16,5%) e RMV (-11%), enquanto outras tiveram valorização, como Brookfield (6,79%) e Rossi (1,76%).

— O mercado faz uma ligação muito grande entre aumento de juros e inflação e mercado imobiliário. O setor é muito dependente de crédito e se o consumidor entender que não tem como fazer um financiamento que vai durar 25 anos, ele posterga a decisão de compra — disse Armando Halfeld, analista de construção civil da Ativa Investimentos.

O INCC (Índice Nacional da Construção Civil), medido pela FGV, subiu 7,4% nos 12 meses terminados em março, acima do IPCA. O índice já sente os acordos salariais fechados em cada grande centro. No Rio de Janeiro houve alta de 7,5%, enquanto o piso subiu entre 9,5% e 10,5%. Em Salvador, houve dissídio de 9,47%.

— O que o setor viveu de 2008 para cá não é confortável, principalmente no que se refere à mão de obra. O aumento dos custos reflete a evolução dos salários. O mercado está difícil, de forma generalizada — disse Ana Castelo, responsável pela pesquisa do INCC, da FGV.

O mercado imobiliário ficou muito tempo parado e quando começou a crescer encontrou limites. Os empresários do setor não sabem ainda como removê-los.

Fonte: Mírian Leitão/O Globo

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