terça-feira, 15 de abril de 2014

MERCADO DE LOTEAMENTO DEVE ADOTAR SOLUÇÕES MAIS SEGURAS


Nas operações negociais entre proprietário de imóvel e empreendedor, que pretendem realizar loteamento ou incorporação imobiliária, têm ocorrido alguns obstáculos. Há dificuldades para conciliar interesses de ressalva e resguardo de garantia do direito do proprietário e as necessidades do empreendedor que pretende ter a disponibilidade do imóvel sem antes ter executado sua parte no empreendimento. Ou ainda: de este querer uma estrutura que lhe confira um melhor tratamento tributário.

Em situação de excesso de confiança da contraparte, há proprietários que ajustam contratos de parceria com prestadores de execução de loteamento, os quais se destacam por expertise no campo da realização de todas as tarefas. Essas tarefas legalmente competem ao proprietário do imóvel. A ideia da “parceria” é garantir a aplicação da disciplina tributária da “Parceria” prevista no Parecer Normativo CST 15/1984.

Sob esse regime tributário, o executor efetua os serviços beneficiados pelas vantagens fiscais da parceria, que não alcança a pura “prestação de serviços” de realização de empreendimento.

O proprietário acredita que o executor dos serviços o faça pelo interesse que ambos têm. Mas, frente a terceiros, o proprietário, como “dono do loteamento”, é o responsável perante os promitentes adquirentes de lotes, o Poder Público, as autoridades ambientais e o Ministério Público.

O fato de poderem os proprietários transferir o imóvel para uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), a título de integralização de capital, não exime de responsabilidades a SPE. Mas libera o proprietário, desde que o mesmo não participe da administração da mesma, ou se participar não cometa atos violadores da lei ou do instrumento societário. De toda forma, a transferência imobiliária acarreta vantagens tributárias para a sociedade ao ser tributada em percentual benéfico.

Dentre estas vantagens, destaca-se a possibilidade de opção pelo regime de apuração de imposto de renda pelo lucro presumido, o que leva a uma carga tributária efetiva de 6,73% sobre a receita (considerando os tributos diretos federais, IRPJ CSLL, COFINS e PIS) com percentual menor - 6,73-%) em vez de 48,25% sobre a receita no regime do lucro real. Esta vantagem sobrevive mesmo considerando o ônus de pagamento do ITBI ou de ganho de capital que pode ocorrer na conferência do imóvel para a SPE.

Esta matéria sobre lucros na transferência imobiliária sempre merece cuidados especiais para não se antecipar recolhimento de tributos sobre resultados apenas esperados, mas ainda não ocorridos.

Em outros casos, proprietários, já mais atentos aos eventuais riscos de descumprimento de obrigações do executor efetivo do loteamento, ou seja, do empreendedor de fato, passam a exigir deste a garantia hipotecária instituída sobre outros imóveis, que possam representar o valor das obrigações a serem cumpridas. Ou ainda: seguro de “performance” ou “cambial” com garantia bancária. Enfim, obrigações colaterais de garantia para assegurar, em princípio, um direito de regresso contra as consequências de inadimplemento do executor do loteamento.

Outros ainda resolvem alienar o terreno ao empreendedor que não pagará em moeda e à vista o preço da compra da área bruta, mas de outra forma como, por exemplo, com a emissão de nota promissória em caráter “pro soluto” pelo executor do loteamento como pagamento do preço nessa operação. Realiza, imediata e subsequentemente, uma novação por meio da qual a obrigação de pagamento da nota promissória é substituída por outra dívida.

Outra alternativa utilizada como meio de pagamento é a cessão de futuros recebíveis das vendas ou do resultado de um VGV (Valor Geral de Vendas) pré-fixado, com garantias, ou até mesmo sem elas. Este expediente assegura ao proprietário o distanciamento do litígio que terceiros possam vir a ter quanto a inadimplemento de obrigação cabível ao empreendedor, mas, não garante ao proprietário que transmitiu o imóvel, a certeza quanto ao inadimplemento da obrigação substituída.

Mesmos procedimentos vêm sendo aplicados às incorporações da Lei 4.591/1964. Porém, com as vantagens de outras nuances como, por exemplo, serem repassadas aos subscritores de unidades responsabilidades originais assumidas pela incorporadora frente ao proprietário. Ou ainda: ser ajustada a incorporação como “patrimônio de afetação”, o que minimiza o risco mas não exclui o proprietário ou a SPE, a quem transferiu o terreno, ao seu envolvimento no descumprimento do empreendedor, nas hipóteses em que o proprietário participa da administração da SPE e não atenta para o cumprimento das obrigações da sociedade.

Embora haja no mercado bom número de executores de loteamentos (parceiros) com grande competência e eficiência de resultados, que podem e, de fato, minimizam riscos ao proprietário da área de seus cuidados ou de preocupação de insucesso e de consequências práticas de envolvimento no negócio imobiliário, na verdade, isto não garante o que todos desejam: que a posição do proprietário, que colocou seu terreno no empreendimento, tenha a segurança de receber resultados futuros. Para tal finalidade, deve ser considerado, por outro lado, que o executor do loteamento também desejará ter, em contrapartida, a garantia de seus investimentos para execução do custeio da obra e serviços, que se agregarão ao imóvel conforme o Código Civil, como beneficiamentos ou transformações da área, não desejando que estes fiquem ancorados num imóvel do qual não tenham segurança, eis que apenas decorrentes de um contrato sem garantias e desprovido de efeitos reais.

Toda contratação deve ser equilibrada e as partes no desempenho de suas obrigações e de seus direitos devem contar com contrapartidas, e o quando possível de modo contemporâneo ou simultâneo.

Dentro deste espírito de equivalência de situações e de equilíbrio contratual, é possível fugir dos modelos acima, que, há décadas, vem sendo utilizado pelo mercado de loteamento e incorporações. Adota-se uma estrutura em que as posições do proprietário (inicialmente titulado de todas as garantias) e do empreendedor (inicialmente sem necessidade de garantias, pois ainda nada investiu) vão se invertendo em compensações a favor de quem está acrescentando valor à área e que precisará, por consequência, de mais proteção, face àquele proprietário que ficou estatizado no investimento e na obtenção de resultado.

Além de várias formas de conjugação de esforços para realizar loteamentos ou incorporações, o mercado tem adotado ainda outras para regular as relações proprietário e executor, que não excluía constituição de SPE por razões tributárias. Porém, sem o grau de equivalência de riscos, como adiante sugerida. São essas outras formas: sociedade em conta de participação (SCP), Consórcio, Fundo de Investimento Imobiliário (FII), ou ainda por meio de Fundo de Investimentos em Participações Societárias (FIP). Todas as alternativas com suas vantagens e desvantagens que devem ser consideradas caso a caso.

Com a preocupação de equilibrar posições, é possível adotar uma solução mais trabalhosa, porém mais segura para ambos os contratantes com a preservação de benefícios fiscais mantidos pela SPE singela. Contudo, acrescido de um procedimento com a inversão de posição de capitalização. A inversão é feita em momentos contínuos e proporcionais à capitalização dos valores de créditos gerados de gastos de obras e serviços, feitos pelo outro sócio responsável pela execução, e assim aceito pelo sócio proprietário em relação aos limites que devem ser admitidos.

Assim, é aconselhável uma contratação pela qual uma SPE é criada com conferência de bens pelo proprietário do imóvel para que este detenha 99,99% do capital, subscrevendo o sócio empreendedor inicialmente uma participação simbólica, mas com a garantia de atingira integralização do seu percentual final no empreendimento. Aumenta-se a participação acionária do executor do loteamento com seus créditos de pagamentos de serviços e obras realizadas e na medida em questão estes créditos efetivados pela aceitação das obras e serviços na proporção pré-fixada do resultado do negócio ajustado com o sócio (ex-proprietário do imóvel), o que acarreta a inversa diminuição de participação deste último no capital social.

O sócio proprietário e o sócio empreendedor, este titulando 0,01%, fará um contrato de construção da obra e serviços do loteamento, que será por ele executado ou custeado, caso indique terceiro sob sua indivisa responsabilidade, e os valores pagos pelo sócio empreendedor para o custeio de obras e serviços serão creditados até um valor predeterminado como AFAC na SPE, de modo que, paulatinamente, vá o empreendedor subscrevendo capital e adquirindo com ágio as quotas da empresa até atingir o limite de sua participação, “in casu”, dos hipotéticos 60%.

No contrato da SPE, além da distribuição desproporcional, também será admitida a participação representativa (com restrições) do sócio empreendedor, de modo a lhe competir a administração ordinária da sociedade, a qual poderá ser aumentada à medida que a posição deste executor seja acrescida por decorrência das integralizações. A sociedade será, até atingido o limite de participação das partes no negócio (hipoteticamente 40% o proprietário e 60% o empreendedor) mantida como “Sociedade Limitada” a fim de ser permitida a distribuição desproporcional de lucros. Assim deverá ser mantida. Pelo menos até o momento que restar apenas “carteira de recebimentos” a crédito da SPE.

Em paralelo, haverá um “Acordo de Acionistas” onde, basicamente, se disporá sobre atos de administração extraordinária (competência do proprietário enquanto majoritário), do poder de destituição do sócio empreendedor, caso o administrador não logre aprovação de suas contas, ou no caso de má gestão por ato comprovado dos casos de cisão, incorporação e de fusão, de direitos de TAG e DRAG, de estruturas do exercício de preferência, de subscrição de quotas com ágio, de condições de transformação da limitada ou sociedade anônima, de entrega de terceiros na sociedade, da manutenção da posição de 40% (hipotéticos no exemplo), do sócio (anterior proprietário do imóvel) nos resultados, da política de vendas, da fixação de preços de venda de lotes e de sua alteração, da contratação de marketing, da contratação de corretores, de auditores e do direito de exclusão de sócio minoritário.

A adoção do meio societário para ajustar o equilíbrio das relações proprietário e executor do loteamento não impede o mesmo uso de tratamento fiscal da SPE que se mostra vantajoso também em outras alternativas já alinhadas. De fato, a SPE, sob forma de limitada para permitir a distribuição desproporcional de lucros, deverá ter preferencialmente seu enquadramento tributário sob o regime de “lucro presumido”. Esse regime tem como base de cálculo um percentual da receita bruta. No caso de lucro real, a base de cálculo é o resultado real da venda dos imóveis. O percentual para a apuração da base de cálculo presumida do IRPJ nessa atividade é de 8% sobre a receita de atividade imobiliária, o que torna a carga tributária geralmente menor em relação à tributação pelo regime do lucro real.

Nessa opção, a carga total tributária relativamente aos impostos federais é de 6,73% da receita da atividade imobiliária. A opção pelo lucro presumido também permite a distribuição de lucros com isenção na pessoa dos beneficiários, limitada ao valor que serviu de base de cálculo, descontado o valor dos tributos incidentes (ou seja, base presumida líquida dos impostos federais incidentes). Se a SPE apurar o lucro em balanço, após descontados os tributos incidentes (IR, PIS, COFINS e CSLL = 6,73%), poderá distribuir a título de lucros aos sócios a diferença entre a receita e esse valor, sem incidência de ir na fonte frente aos sócios. Por outro lado, se a SPE (como optante do regime do lucro presumido) não demonstrar que o lucro distribuído (superior ao valor da diferença entre a base de cálculo presumida e os tributos incidentes) é lucro apurado em balanço, não poderá distribuir esse valor superior a 8% da receita menos 6,73% da receita, sem a incidência do imposto de renda na fonte. Nesse caso, o que se distribuir a mais é rendimento tributável dos sócios (tabela progressiva para o sócio, pessoa física e receita tributável da sócia pessoa jurídica - no regime real ou presumido).

A se acolher o uso da solução societária, poderá ela ter a vantagem ainda para a separação de resultados futuros que não mais dependerá do concurso de execução de obras ou serviços. Por operação de cisão, por exemplo, as participações dos sócios poderão ser separadas e repartidas, de modo que para o benefício do recebimento da carteira gerada cada parte deve fazer a sua própria e direta gestão, inclusive com a reversão de lotes para os casos de rescisão de vendas. Não há transferência de direitos sociais imobiliários, mas apenas uma mutação na posição de quotas, sem a incidência de ITBI.

Também para a partilha de lotes (antecipação de resultados, ou dissolução parcial), no curso do loteamento ou para o encerramento da sociedade (extinção) e pagamento de haveres dos sócios, o acolhimento das sugestões se mostra vantajoso, sob a visão fiscal e prática para os sócios na coleta de seu quinhão.

A implementação deste meio de proteção equilibrado pode, eventualmente, encontrar resistência das partes motivadas pela preferência da adoção de riscos contra a criação de uma estrutura sólida e de controle pelo simples fato da novidade. Certamente, será compensadora pela segurança recíproca de proprietários que investem suas áreas e dos experts que investem seus recursos e conhecimento no melhor aproveitamento de uma área.

Luiz Arthur Caselli Guimarães - Sócio fundador do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

Nenhum comentário:

Postar um comentário