quinta-feira, 26 de junho de 2014

HIPOTECA EM CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS QUITADOS GERA DANO MORAL


É muito comum que incorporadoras e construtoras imobiliárias, ao construírem um novo empreendimento e o colocarem a venda por meio de promessa de compra e venda, insiram nos contratos uma cláusula que prevê a possibilidade da construtora ou incorporadora hipotecar o imóvel prometido ao consumidor.

É de praxe as incorporadoras e construtoras oferecerem o imóvel prometido ao consumidor em garantia, por meio de hipoteca, a fim de conseguirem um financiamento junto aos bancos, o que ajuda a levantar quantias que viabilizam parte da construção do imóvel. Tudo em prol de um lucro cada vez maior.

Ocorre que a hipoteca é um direito real de garantia, no qual o bem imóvel é dado em garantia no caso do não pagamento da dívida (financiamento), o que não se aplica ao presente caso.

Sendo assim, caso a incorporadora não consiga quitar o financiamento, o banco, que é o credor, poderia, em tese, ficar com a propriedade do imóvel que foi prometido ao consumidor em contrato de promessa de compra e venda, tudo em função da malfadada hipoteca.

Outrossim, muitas empresas encontram dificuldades em dar baixa na hipoteca eis que não quitaram seus débitos com o banco. De qualquer forma, a partir do momento em que o contrato foi quitado integral e tempestivamente nada justifica a demora para dar baixa na hipoteca, seja por motivos de ordem financeira ou por mero descaso mesmo.

A Boa-Fé que regula os contratos, de matriz constitucional, municia o magistrado com poder de afastar situações leoninas e extremamente abusivas em prejuízo ao consumidor. Portanto, inspirado no princípio da boa-fé e diretamente na própria Justiça, deve o Poder Judiciário assegurar o direito à baixa da hipoteca que recai sobre o bem adquirido por terceiro, eis que a ninguém interessa adquirir um bem hipotecado.

O Superior Tribunal de Justiça entende que ‘A hipoteca que o financiador da construtora instituir sobre o imóvel garante a dívida dela enquanto o bem permanecer na propriedade do devedor’. Dessa forma, ante a quitação do imóvel, o aludido gravame não tem mais razão de ser, eis que a hipoteca concerne a uma relação entre o agente financeiro e a construtora, não tendo e nem podendo ter eficácia perante terceiros.

O cancelamento do gravame é medida que deve ser tomada o quanto antes eis que não existem razões para sua subsistência. Dessa forma, a antecipação da tutela é medida que se impõe nas demandas com esse intuito eis que muitas vezes o adquirente quer vender o bem e a hipoteca impede o registro no cartório. Ou seja, a pessoa paga mas não pode fazer com o bem o que bem entender.

A antecipação da tutela pressupõe a demonstração dos requisitos previstos no artigo 273, do Código de Processo Civil (CPC), para sua concessão, quais sejam: prova inequívoca que possa levar à verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável e de difícil reparação ou que fique caracterizado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte.

A concessão da tutela antecipada exige a presença de certos requisitos, materializados na prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação (caput, art. 273, CPC), conciliada, alternativamente, com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I) ou de difícil reparação (inciso I) ou ainda, quando caracterizado o abuso de direito de defesa ou mesmo, o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II).

In casu, são provas inequívocas do direito aqui mencionado, o recibo de quitação do imóvel e a declaração da empresa (se houver) de que procederia à baixa em um prazo determinado.

Conciliada a prova inequívoca deve o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Correr o risco de ver um contrato de Compra e Venda de um Imóvel firmado com um terceiro rescindido sem nada ter feito para tanto e muitas vezes ter que devolver a quantia paga significa sim fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Quanto ao dano moral, cumpre ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, no caso de demora para liberação de hipoteca de um imóvel que já tenha sido totalmente quitado, é possível ao consumidor pedir à empresa imobiliária indenização por danos morais.

Esse entendimento foi defendido pelos ministros da Terceira Turma durante o julgamento de um Recurso Especial que suscitou a discussão, in verbis:

RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - CABIMENTO - DEMORA INJUSTIFICADA - LIBERAÇÃO DO GRAVAME HIPOTECÁRIO – CULPA EXCLUSIVA DO VÍTIMA - INEXISTÊNCIA - ENTENDIMENTO OBTIDO PELA ANÁLISE DAS PROVAS - REEXAME DE PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO ENUNCIADO 7 DA SÚMULA DESTA CORTE - INDENIZAÇÃO – QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO NOS LIMITES DA RAZOABILIDADE - PRECEDENTES - RECURSO IMPROVIDO. I - A demora injustificada na liberação do gravame hipotecário dá ensejo a condenação por dano moral, não se tratando de mero descumprimento contratual. II - A questão relativa à existência de culpa exclusiva das vítimas foi resolvida com base no conteúdo probatório, vedando-se, por consequência, seu reexame pelo Superior Tribunal, por óbice da Súmula 7/STJ. III - Esta Corte Superior somente deve intervir para diminuir o valor arbitrado a título de danos morais quando se evidenciar manifesto excesso do quantum, o que não ocorre in casu. Precedentes. IV - Recurso especial improvido. (REsp 966416 / RS; RECURSO ESPECIAL 2007/0156239-4; Relator (a) Ministro MASSAMI UYEDA; Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento 08/06/2010; Data da Publicação/Fonte DJe 01/07/2010)

Vê-se, pois, que, data vênia, não se trata de mero descumprimento contratual. Cuida-se, na verdade, de ato ilícito e, portanto, deve ser reparado. Nesse sentido é a lição de Caio Mário da Silva Pereira:

"É também princípio capital, em termos de liquidação de obrigações, que não pode ela transformar-se em motivo de enriquecimento. Apura-se o quantitativo do ressarcimento inspirado no critério de evitar o dano (de damno vilando), não porém para proporcionar à vítima um lucro (de lucro capiendo). Ontologicamente subordina-se ao fundamento de restabelecer o equilíbrio rompido, e destina-se a evitar o prejuízo. Há de cobrir a totalidade do prejuízo, porém limita-se a ele. A razão está em que, no próprio étimo da" indenização ", vem a idéia de colocar alguma coisa no lugar daquilo de que a vítima foi despojada, em razão do" dano ". Se se ressarce o dano, não se lhe pode aditar mais do que pelo dano foi desfalcado o ofendido". (Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 316)

No mesmo sentido tem entendido os tribunais pátrios:

CONSUMIDOR. INDENIZATÓRIA. Empréstimo bancário. Hipoteca cedular. Quitação do débito. PERMANÊNCIA DO GRAVAME. DEMORA NA baixa. DANO MORAL CONFIGURADO. CARÁTER DISSUASÓRIO. QUANTUM REDUZIDO. Comprovada a quitação do débito, faz jus o autor à liberação do gravame em tempo razoável. Demora na solução por mais de 05 (cinco) meses, tendo havido diversas tentativas da parte autora para a obtenção da documentação necessária no interregno, pois tencionava entabular contrato de arrendamento do bem hipotecado. Caracterização do dano moral, com caráter precipuamente dissuasório. O quantum indenizatório merece readequação, a fim de se adequar aos parâmetros adotados pelas Turmas Recursais, em casos análogos. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (TJRS; Recurso Inominado 71003496411; Julgamento 29/02/2012; Relator Fernanda Carravetta Vilande)

APELACAO CIVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS. RECUSA EM DAR BAIXA DA HIPOTECA. DIVIDA PAGA. DANOS MATERIAIS. AUSENCIA DE QUANTIFICAÇÃO DO PREJUIZO. DANO MORAL. I - A HIPOTECA, COMO ONUS REAL, E UMA RELAÇÃO JURIDICA ACESSÓRIA, DE TAL SORTE QUE, QUITADA A DIVIDA POR ELA ASSEGURADA, CESSARA A GARANTIA REAL, IMPONDO-SE AO CREDOR PROVIDENCIAR A BAIXA DO GRAVAME. II - NAO PROCEDE A ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE DEBITO REMANESCENTE, HAJA VISTA QUE NÃO RESTOU COMPROVADA TAL ASSERTIVA, MORMENTE PORQUE O APELANTE, AO DEIXAR DE EXERCER SEU DIREITO, OU SEJA, O DIREITO DE EXIGIR EM JUÍZO QUALQUER SUPOSTO VALOR PENDENTE DA DIVIDA EM QUESTÃO, OCORREU A PRESCRIÇÃO - FATOR DE EXTINÇÃO DA PRETENSÃO. III - O NÃO CUMPRIMENTO DE SUA OBRIGAÇÃO QUANTO A ENTREGA DA QUITAÇÃO AO APELADO OU AUTORIZAÇÃO EXPRESSA PARA QUE ELE PROCEDA O CANCELAMENTO DA HIPOTECA, QUANDO FICOU DEMONSTRADO NOS AUTOS SUA QUITAÇÃO E EXTINÇÃO DA DIVIDA, OFENDE A NORMA QUE REGULA A MATÉRIA E CAUSA-LHE PREJUÍZOS DE ORDEM MATERIAL E MORAL, QUE ACARRETAM A OBRIGAÇÃO DE REPARAR. IV - O DANO MATERIAL E SEU VALOR DEVEM ESTAR DEMONSTRADOS NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, POIS SEM A COMPROVAÇÃO, IMPROCEDE O PEDIDO NOS TERMOS DO ARTIGO 333, I DO CPC. V - A FIXAÇÃO DO QUANTUM DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DEVE SER DE ACORDO COM O CASO CONCRETO, NO QUAL O JULGADOR ANALISA O DANO QUE O ATO ILÍCITO CAUSOU NA VIDA DA VITIMA E ESTABELECE, COM RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE O VALOR DA JUSTA INDENIZAÇÃO QUE LHE E DE DIREITO, CUIDANDO PARA RECOMPENSAR O LESADO SEM, NO ENTANTO PENALIZAR O OFENSOR DE FORMA EXCESSIVA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO, MAS IMPROVIDO. (TJGO; 1ª Câmara Cível; DJ 346 de 02/06/2009; 200900266168; Apelação Cível 138815-5/188)

Portanto, resta cediço que a hipoteca na condição de ônus real, trata-se de uma relação jurídica acessória, de maneira que estando quitada a dívida por ela assegurada cessará a garantia real, impondo-se ao credor providenciar a baixa do gravame dentro de um prazo razoável. De outra maneira, estaria o consumidor submetido à uma série de transtornos e frustrações decorrentes do fato de que proprietário de um imóvel. O dano moral é indiscutível.

Janaina Mathias Guilherme - Advogada do Escritório Guilherme e Primo
Fonte: Artigos JusBrasil

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