segunda-feira, 7 de setembro de 2015

AS TAXAS DE MARINHA E ALGUMAS IRREGULARIDADES NA SUA COBRANÇA


O terreno de marinha é a faixa de terra definida pela linha preamar que foi calculada em 1831 e levou em consideração a média da maré alta brasileira naquele ano. São considerados terrenos de marinha as áreas que ficam na faixa de 33 metros da costa marítima, do contorno de ilhas e das margens de rios e lagoas, de acordo com o cálculo feito na época.

O significado de “terrenos de marinha” foi concebido em 22 de fevereiro de 1868, quando da publicação do decreto imperial nº 4.105, que, em seu artigo 1º, § 1º, estabelece:

“São terrenos de marinha todos os que banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis até a distância de 15 braças craveiras (33 metros) para a parte da terra, contadas desde o ponto a que chega o preamar médio”.

O Decreto-Lei 9.760/46, em seu artigo 2º, atualizou o conceito:

“Art. 2º - São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se façam sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pela menos do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.”

Os terrenos de marinha são bens da União, como se observa pela leitura da Constituição da Republica Federativa do Brasil em seu artigo 22, inciso VII: “São bens da União: (...) os terrenos de marinha e seus acrescidos”.

Os acrescidos, igualmente bens da União, são os terrenos que se formam, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, aumentando o tamanho dos terrenos de marinha originais, conforme dispõe o decreto imperial nº 4.105, em seu artigo 1º, § 3º e o decreto lei 9.760 de 1946.

Não restam dúvidas de que o domínio pleno dos terrenos de marinha é da União, já que a CRFB não limitou este domínio, o que o difere do domínio útil (direito de posse uso e gozo). Como consequência, a utilização desse bem público pelo particular enseja a obrigação de pagamento do foro, da taxa de ocupação e do laudêmio.

O foro é a taxa anual correspondente a 0,6% do valor do imóvel. A taxa de ocupação pode ser de 2% ou 5%, e é cobrada do possuidor que ainda não firmou um contrato de aforamento com a União. O laudêmio constitui uma taxa de 5% sobre o valor venal do imóvel ou de sua transação, que deve ser paga à União sempre que ocorrer uma transação onerosa com escritura pública definitiva dos direitos de ocupação ou aforamento de terrenos da União, como é o caso dos terrenos de marinha. Ressalte-se que estes pagamentos não possuem natureza de imposto.

Os pagamentos devem ser feitos pelos ocupantes dos terrenos, que são aqueles possuidores, apenas, do direito de ocupação e constituem a maioria das pessoas nesses imóveis; e pelos foreiros, que são os que possuem contratos de foro e detém mais direitos que os ocupantes, pois abarcam também os direitos sobre o domínio útil dos imóveis.

É importante salientar ainda, que existe a previsão de isenção para o pagamento do foro, da taxa de ocupação e do laudêmio, no caso de pessoas consideradas carentes ou de baixa renda, cuja renda familiar mensal seja igual ou inferior a 5 (cinco) salários mínimos e que residam no imóvel. Aqueles que se enquadram nessa situação devem informar à unidade da SPU (Secretaria de Patrimônio da União) onde se localiza o imóvel.

A SPU, ligada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, é o órgão legalmente imbuído de administrar, tutelar, fiscalizar e outorgar a utilização, nos regimes e condições permitidos em lei, dos imóveis da União. Ela possui também a função arrecadadora e de demarcação dos terrenos de marinha, a fim de fazer cumprir a sua função socioambiental.

Ao longo dos anos, os terrenos de marinha têm sido objeto de muitos questionamentos judiciais, tais como: demarcações ilegais por parte da SPU; utilização de método de medição defasado; ausência de clareza na determinação dos sujeitos passivos da obrigação; reajustes impostos aos possuidores atualizando os foros e taxas de ocupação pelo valor do imóvel; e cobranças pelas benfeitorias construídas sobre os terrenos de marinha, como por exemplo: apartamentos, salas etc., que não estão sujeitos à cobrança de foro, taxa de ocupação e laudêmio.

Outras contestações jurídicas fundam-se em demonstrações de que a União e os Municípios estão “passando por cima” de conceitos legais e constitucionais com o fim exclusivo de arrecadar mais tributos.

Uma conclusão simples e objetiva do imbróglio é obtida, por exemplo, com a análise do conceito de taxas, que “são tributos instituídos em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.” (MORAES, 2006, p. 770) Destaca-se aqui a vinculatividade desse tributo às prestações de serviços públicos. Para Moraes (2006, P. 771), as taxas decorrem de uma atividade estatal, em que “há necessidade de o serviço realizado trazer, em tese, benefício potencial e determinado ao contribuinte que deverá pagá-lo, mesmo que não o utilize”.

A doutrina acompanha a literalidade do Código Tributário Nacional, que em seu artigo 77 dispõe:

“As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.

E em seu parágrafo único:

“A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas”.

Todavia, nos artigos 32 e 33 do CTN, observa-se que tanto as taxas de marinha quanto o IPTU possuem como fato gerador o domínio útil ou a posse do imóvel e como base de cálculo o seu valor venal, em total afronta ao CTN.

E o que falar das limitações constitucionais ao poder de tributar? O artigo 150, inciso VI, alínea "a" da CRFB, impõe a vedação de que: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...) instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”. Os terrenos de marinha são bens da União e não deveriam ser tributados pelos Municípios, que transferem este ônus aos ocupantes e foreiros dos imóveis, não se importando com a inconstitucionalidade do ato, apenas com o a possibilidade de um maior recolhimento de tributos.

Igualmente polêmico é o resultado da aprovação da Emenda Constitucional 46/2005, pois antes dela todos os terrenos situados a 33 metros da linha preamar média, identificada a partir da média das marés altas de 1831, pertenciam à União, e por isso os imóveis estavam sujeitos à taxa de ocupação. A emenda excluiu dos bens da União “as ilhas costeiras e lacustres, nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e costeiras”, excluídas, destas, as que contivessem a sede de Municípios, e as áreas afetadas ao serviço público, as unidades ambientais e as referidas no artigo 26, inciso II da CRFB. Entretanto, as taxas continuam sendo cobradas pela SPU nesses locais, como se bens da União essas terras ainda fossem, em flagrante inconstitucionalidade e desrespeito aos seus ocupantes e foreiros.

Nestes locais, a União alega que a "taxa" imposta não tem nem mesmo natureza jurídica de tributo, pois seria um direito que ela possui porque a área lhe pertenceu um dia. A cobrança seria legal e teria como fundamento a Lei federal de nº 9.760 de 1946. No entanto, não importa o nome dado ou sob quais fundamentos a União tenta justificar a cobrança, visto que o Código Tributário Nacional estabelece claramente em seu artigo 4º: "A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei".

Um Projeto de Lei da Câmara (12/2015), acaba de ser aprovado no Congresso e trata do tema terrenos de marinha. Porém, cuidou apenas do parcelamento dos terrenos e da remissão de dívidas patrimoniais com a União, não se preocupando com os assuntos mais espinhosos e com a insegurança jurídica que paira sobre esses imóveis, enquanto o Poder Judiciário não dá solução às matérias. Mais uma vez o Poder Legislativo perde a oportunidade de resolver problemas reais com leis, o que faz parte de sua função precípua. E ainda hão de aparecer congressistas, logo que os litígios tiverem solução, a reclamar de ativismo judicial e de imiscuírem-se em suas competências.

Referências:

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 17. Ed. Rev., atual. E ampl. - São Paulo: Saraiva, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. Ed. Atual. (até a EC nº 48/05). São Paulo: Atlas, 2006.

SANTOS, Rosita de Sousa. Terras de marinha. Rio de Janeiro: Forense, 1985.


ENTENDA O QUE É LAUDÊMIO. Desenvolvido por Rodrigo Marcos Antonio Rodrigues. Esclarecimentos sobre a cobrança de laudêmio. Disponível em:http://www.laudemio.com.br. Acesso em: 13.06.2015.


Frederico Fernandes - Fonte: Artigos JusBrasil

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