terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

APANHADO PRÁTICO DA OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR


1. Introdução

Este instrumento de autuação urbanística vem sendo estudado pela doutrina, de longa data, sob a denominação de "solo criado". Tal instituto parte da ideia de que o proprietário ao se fixar em uma área e constrói vários andares, esta criando solos novos e, portanto, deveria recolher aos cofres públicos uma determinada quantia para compensar os gastos extraordinários decorrente da verticalização.

A utilização da outorga onerosa depende de prévia estipulação, por lei municipal, de acordo com um coeficiente básico de cada terreno (a parte que pode ser construída gratuitamente) em relação a área total do terreno. Em suma, o proprietário pode construir (verticalmente) até uma certa metragem com base na área do terreno (esse coeficiente pode ser, por exemplo, de uma, duas, três vezes a área), a construção que ultrapassar essa área permitida está, portanto, sujeita a cobrança pelo poder público.

O presente estudo, desenvolvido em conjunto com os acadêmicos da 10ª etapa do Curso de Direito da turma de Junho/2016 - período noturno - da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - campus Higienópolis Victória Mingorance Chamiço e Daniel Lage, se propõe a realizar uma análise técnica e sucinta da aplicabilidade do "solo criado" ou outorga onerosa.

2. Preceito histórico

Em 1975, a França propõe uma nova política fundiária e reforma urbana, visando aumentar a eficácia do controle do uso e ocupação do solo, objetivando também a redução da desigualdade social decorrente de zoneamentos, atribuindo menor diferença do valor da terra, bem como aumentar a participação da coletividade no processo de planejamento, via redistribuição de responsabilidades entre Estado e as Comunas.

Para tanto, o Estado francês poderia dar o direito do uso de maior coeficiente de ocupação do solo em certas regiões, havendo a possibilidade de transferência do mesmo nos casos de imóveis tombados, a preservar, ou em áreas que justificassem a não urbanização.

“A terra é um dos elementos fundamentais dos assentamentos humanos. Todo Estado tem direito a tomar as medidas necessárias para manter sob fiscalização pública o uso, a propriedade, a disposição e a reserva de terras. Todo Estado tem o direito a planejar e administrar a utilização do solo, que é um de seus recursos mais importantes, de maneira que o crescimento dos centros populacionais tanto urbanos como rurais se baseiam num plano amplo de utilização do solo. Essas medidas devem assegurar a realização dos objetivos básicos da reforma social e economia para cada Nação, de conformidade com seu sistema e suas leis de propriedade da terra”. (NETTO, 1977, p.4)

As experiências estrangeiras certamente influenciaram o curso do debate no Brasil sobre o chamado “Solo Criado” e suas variantes. No entanto, Azevedo Netto refuta a critica de que o conceito seja importado, tendo em vista que ninguém o encontrará em nenhum documento técnico, e nenhuma legislação do mundo todo, pois o conceito e princípios foram divulgados primeiro por si mesmo, Antonio Claudio Moreira Lima, Clementina de Ambrosis e Dalmo do Valle Nogueira a partir de 1975.

A partir do momento em que a cidade começa a se desenvolver de maneira intensa, com a diversificação das atividades produtivas e a valorização das áreas centrais, surge a necessidade do controle do uso e ocupação do solo. Esse ocorre, num primeiro momento, através do controle à verticalização, pelo Código Arthur Sabóia e da instituição do coeficiente de aproveitamento máximo e, num segundo momento, através da instituição do Zoneamento, estipulando usos, coeficientes, taxas e recuos.

Entretanto, esses instrumentos sempre ficaram restritos às áreas ocupadas pela população de mais alta renda, não chegando a ser aplicados na parte mais carente da cidade.

A partir da década de 1980, no momento em que o Município se encontra em crise econômica, com pouca capacidade de gerenciar o desenvolvimento da cidade, passa-se a institucionalizar o controle à ocupação através da venda do potencial construtivo, em instrumentos como as Operações Interligadas e Operações Urbanas, viabilizando parcialmente o conceito do “solo criado”, visto que os empreendedores não contribuíam com o processo de urbanização, mas se beneficiavam dele.

3. Conceito

A outorga onerosa do direito de construir vem a ser uma concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido por lei, mediante uma compensação financeira a ser custeada pelo beneficiário. Porém, esta intitulação (outorga onerosa do direito de construir) soa, de certa maneira, inadequada, visto que em nosso ordenamento está previsto que a possibilidade de outorga do direito de construir isenta de qualquer prestação pecuniária por parte do beneficiário, então, mais apropriado seria a denominação “solo criado”, dada pela doutrina.

“De um ponto de vista prático, poderá ser considerado como solo criado, a área construída que exceder certa proporção de área de terreno. Baseado nesse conceito de solo criado, pode-se propor três novos instrumentos extremamente importantes para o controle e uso do solo, a saber: coeficiente de aproveitamento único; transferência de direitos de construir; proporcionalidade entre áreas construídas e áreas de uso público” (NETTO, 1977, p. 9-10).

4. Estatuto da Cidade e o Solo Criado

Positivada através da lei n. 10.257/01, no artigo 4º, inciso V, alínea n, o instituto do solo criado foi introduzido à legislação brasileira como uma maneira de recuperação das valorizações fundiárias, determinando a aplicação de recursos obtidos em ações de interesse social. Assim sendo, a lei federal que instituiu o solo criado vai ao encontro do princípio da função social da propriedade. Função social essa que surgiu com as mudanças ocorridas no conceito de propriedade, deixando de ser um direito absoluto e inviolável, para atender às necessidades coletivas.

A Constituição Federal garante, em seu artigo , inciso XXII, o direito de propriedade, mas logo em seguida, no inciso XXIII, prevê que a propriedade atenderá à sua função social, envolto do princípio da ordem econômica e financeira e norteando, também, todos os dispositivos constitucionais referentes à política urbana, nesse caso em específico.

5. Lei municipal específica

Deverá ser promulgada lei municipal específica para o instituto do solo criado, estabelecendo as condições para a outorga onerosa do direito de construir ou de alteração do uso do solo urbano, conforme art. 30 do Estatuto da Cidade.

Regulamentará as regras de cálculo, os critérios e os parâmetros de contrapartida, aplicadas ao instituto.

6. Da destinação dos recursos auferidos pelo município

Após a promulgação da Constituição Federal em 1988, o discurso sobre o instrumento passa a enfatizar a questão da recuperação para a coletividade dos benefícios que propicia para fins de financiamento de infraestrutura e serviços públicos:

“Trata-se de um mecanismo que permite a repartição entre proprietários da terra, incorporadores e poder público, dos benefícios privados do processo de urbanização criado pela iniciativa privada, mas que se funda no investimento que o conjunto da sociedade realiza na forma da implantação dos equipamentos e da infra-estrutura urbana. Ou seja, trata-se da apropriação, pela autoridade municipal, de parte da valorização fundiária e imobiliária” (RIBEIRO; CARDOSO, 1991, nº 1)

O Estatuto da Cidade prescreve, em seu artigo 31, que os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do artigo 26 do Estatuto, as quais são:

(i) regularização fundiária; (ii) execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; constituição de reserva fundiária; (iv) ordenamento e direcionamento da expansão urbana; (v) implementação de equipamentos urbanos e comunitários; (vi) criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; (vii) criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas verdes; (vii) criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; e, (viii) proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.

7. Conclusão

Concluímos então, de forma sucinta, que a outorga onerosa do direito de construir vem a ser uma concessão emitida pelo Município para que o proprietário de um imóvel edifique acima do limite estabelecido por lei, mediante uma compensação financeira a ser custeada pelo beneficiário.

O limite estabelecido por lei é determinado pelo coeficiente básico de aproveitamento, que trata-se de índice que estabelece o quanto pode ser construído em determinado loteamento, sem que a construção sobrecarregue a infraestrutura aos olhos do Poder Público.

A Outorga Onerosa do Direito de Construir é um instrumento de intervenção poderoso e complexo. Muitos elementos ainda precisam ser investigados no sentido de melhor guiar sua aplicação nos diversos municípios, principalmente a respeito do real impacto de sua aplicação nos mercados fundiário e imobiliário, sua efetiva capacidade de recuperação de mais-valias fundiárias urbanas, sua interação com outros instrumentos que indicam sobre a valorização da terra e os eventuais riscos de distorções desses mercados.

8. Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, Senado, 1998.

GRAU, E. R. Direito Urbano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983.

MEIRELLES, H. L. Direito de construir, São Paulo, 10ª edição, Malheiros editores, 2011.

NETTO, D. T. A. Experiências similares ao solo criado: C. J. Arquitetura. Revista de Arquitetura, planejamento e construção, nº 16. São Paulo: Ed. FC, 1977.

PINHO, E.; FILHO, F. G. B. Estatuto da Cidade Comentado:Da Outorga Onerosa do Direito de Construir. Belo Horizonte, Ed. Mandamentos, 2002.

RIBEIRO, L. C. Q.; CARDOSO, A. O solo criado como instrumento de reforma urbana: avaliação de seu impacto na dinâmica urbana. Cadernos IPPPUR UFRJ, nº 1, 1991.

NOBRE, E. A. C. Novos instrumentos urbanísticos em São Paulo: limites e possibilidade. http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/e_nobre/instrumentos_urbanisticos_são_paulo.pdf. Acesso em: 18 out 2013.

SABOYA, R. Outorga onerosa do direito de construir. 
http://urbanidades.arq.br/2008/03/outorga-onerosa-do-direito-de-construir/. Acesso em: 18 out 2013.

Transferência do Direito de Construir. 
http://urbanidades.arq.br/2008/06/transferencia-do-direito-de-construir/. Acesso em: 18 out 2013.

DORNELAS, Henrique Lopes. Aspectos jurídicos da outorga onerosa do direito de construir. 
http://jus.com.br/artigos/4483/aspectos-juridicos-da-outorga-onerosa-do-direito-de-construir
Acesso em: 17 out 2013.

Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001- Estatuto da Cidade. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 20 out 2013.

Michel Maia / Fonte: Artigos JusBrasil

Nota do Editor: 
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