terça-feira, 10 de abril de 2018

GARANTIAS LOCATÍCIAS: CESSÃO FIDUCIÁRIA DE QUOTAS DE FUNDO DE INVESTIMENTO


Prevista no inciso IV, do artigo 37, da Lei 8.245, de 18 de Outubro de 1991 - Lei do Inquilinato, a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento foi incluída ao rol de garantias locatícias por intermédio da edição da Lei 11.196, de 21 de Novembro de 2005, e disciplinada complementarmente pela Instrução 432 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) , de 1° de Junho de 2006, que dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento dos fundos de investimentos destinados à garantia de locação imobiliária e a cessão fiduciária, em garantia de locação imobiliária.

Tendo o legislador pormenorizado a função, bem como a estrutura jurídica, desta modalidade de garantia, as quais encontram-se gravadas no artigo 88, e seus respectivos parágrafos, da Lei 11.196/2005, passível de afirmação de que a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento é uma garantia típica.

Por outro prisma, esta garantia também pode ser classificada como sendo uma garantia real, isto pelo fato de que a transferência necessariamente ter que ocorrer da titularidade sobre as quotas de determinado fundo de investimento do locatário, ou de terceiro cedente, para o locador, as quais estarão, e permanecerão, sob a guarda de uma instituição financeira, que, neste contexto, figurará como agente fiduciário.

Nota-se, por oportuno, que não houve imposição restritiva do legislador em relação à quantidade, ao tipo ou ao valor das quotas cedidas em garantia, diferentemente do que ocorre com a caução em dinheiro que é limitada monetariamente ao valor máximo correspondente à até três aluguéis, vigentes à época de sua instituição. Assim, depreendemos desta situação um ponto a ser avaliado como positivo no tocante à escolha da cessão de quotas de fundo de investimento como modalidade de garantia locatícia a ser pactuada no contrato de locação.

Como mencionado, as quotas de fundos de investimento, que servem como garantia locatícia, estarão sob a custódia de uma instituição financeira e a razão pela qual tais quotas estão sujeitas a este controle são as regras impostas pela Comissão de Valores Mobiliários, as quais seguem no sentido de que somente as instituições autorizadas para o exercício da administração de carteira de títulos e valores mobiliários estão autorizadas a constituir fundos de investimento que permitam a cessão de suas quotas em garantia de locação imobiliária, conforme previsto no caput, do artigo 88 desta Lei, de tal sorte que, com fulcro no § 10°, deste artigo, a instituição financeira, além de ser o agente responsável pela custódia das quotas, ficará também pela retenção e recolhimento dos impostos e contribuições incidentes sobre as aplicações efetuadas no fundo de investimento, assim como pelo cumprimento das obrigações acessórias decorrentes dessa responsabilidade.

Para que haja a efetivação da cessão de quotas de fundo de investimento como garantia locatícia, este procedimento de transferência deverá ser formalizado perante o administrador do fundo de investimento, por intermédio da ratificação do termo de cessão fiduciária, que constituirá propriedade resolúvel sobre as quotas em favor do locador. Deste modo, devendo ser respeitada a forma escrita, assim como a solenidade prevista no § 1°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005, entendemos, com base nos artigos 104, inciso III, e 166, inciso IV, da Lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 - Código Civil, que qualquer convenção desta garantia de forma verbal, ensejará em nulidade do negócio jurídico, isto em razão do descumprimento do mandamento solene insculpido no parágrafo em análise.

Outrossim, entendemos, de igual maneira, que esta interpretação estende-se à ausência do registro do termo de cessão de quotas perante o agente fiduciário, visto ser esta também uma formalidade a ser rigorosamente cumprida para que haja a instituição desta garantia. Ressalvamos, ainda, a relevância desta conduta, já que é por meio do registro que a situação jurídica das quotas ofertadas em garantia torna-se pública, fato este que, além de revestir a cessão de quotas de segurança jurídica - principalmente para o locador, que poderá transformar-se em eventual credor -, também reduzi-se o risco de ocorrer a transferência fraudulenta da titularidade destas mesmas quotas para terceiro de boa-fé, desconhecedor da situação jurídica real destes valores mobiliários, o que resultaria em prejuízo em desfavor do locador.

Determina a Lei 11.196/2005, em seu artigo 88, § 3°, que a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento como garantia locatícia, mediante o cumprimento dos trâmites já examinados, constituirá regime fiduciário sobre as quotas cedidas, quer pelo locatário quer por terceiro cedente, tornando-se estas indisponíveis (isto é, não sendo passível de disponibilidade para negociações), inalienáveis (ou seja, que não poderão ser vendidas pelo seu titular) e impenhoráveis (o que significar dizer que estas quotas não poderão ser utilizadas como quitação de dívidas para outros credores, senão daquelas oriundas do contrato de locação, garantido pela cessão fiduciária operada), passando a ser o agente fiduciário a instituição financeira administradora do fundo de investimento.

Logo, pela imposição dos mencionados regimes jurídicos, o ato de transferência da titularidade sobre as quotas vinculadas à cessão fiduciária ficará amplamente limitado, evitando-se, deste modo, que, no momento da execução destes bens jurídicos incorpóreos, perante o Poder Judiciário ou em caráter extrajudicial, quaisquer revés à consumação da própria garantia contratada. Assim, consideramos ser este aspecto uma das vantagens em se optar por esta modalidade de garantia.

Há de cumprir-se também o dever de entregar uma via do contrato de locação firmado pelas partes, documento no qual deverá constar a existência, as condições e o prazo de vigência da cessão das quotas, podendo ser este determinado ou indeterminado, conforme previsto no § 4°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005. Logo, em decorrência da liberdade de escolha ofertada pelo legislador às partes contratantes, três são os cenários possíveis.
Inicialmente, como primeira hipótese, em sendo a garantia contratada por prazo inferior face ao tempo de vigência do contrato de locação, quando alcançado o termo final, por consequência, estará a garantia extinta, interrompendo, deste momento por diante, a responsabilidade do garantidor, restando, por consequência, desprovido de garantia o contrato de locação.

Já como segunda situação, caso a garantia seja convencionada pelas partes contratantes por período igual ao do instrumento de locação, em ocorrendo a prorrogação do contrato por força do artigo 39 da Lei 8.245/1991, estará a garantia reflexamente estendida por prazo indeterminado. E somente será interrompida a garantia no momento em que a posse do objeto da locação for restituída à parte locadora, seja em função da entrega das chaves ao locador, seja em razão da imissão na posse do imóvel locado ou de seu respectivo despejo.

Como terceira, e última, situação possível para o caso em estudo, em sendo pactuada a garantia por prazo indeterminado desde o início da locação, a cessão fiduciária em garantia restará vinculada ao tempo de vigência do contrato de locação, isto em função de sustentar posição de contrato acessório, instrumento este conectado intimamente ao contrato garantido, o principal, de sorte que o cedente-devedor permanecerá responsável pelo cumprimento das obrigações contratuais até a data na qual a posse do prédio locado seja restabelecida ao locador.

Dentro deste contexto, importante destacar que, quando o cedente (agente responsável por ceder as quotas em garantia) não for o próprio locatário, mas for terceira pessoa, deverá esta ratificar o contrato de locação, na qualidade de garantidor, conforme prevê o enunciado do § 2°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005. Aplicando raciocínio reverso ao dispositivo em exame, compreendemos que, figurando também o locatário como garantidor, isto é, sendo ele o próprio cedente das quotas, tornar-se-á dispensável o par de assinaturas, pois a cessão fiduciária de quotas será contratada no ato da assinatura do contrato de locação, neste instrumento ou em contrato apartado.

Ante o exposto, evidencia-se que o procedimento de cessão da titularidade das quotas, inicialmente transferirá a propriedade sobre estas tão somente caráter resolúvel, o que significar dizer que a titularidade do locador sobre as quotas estará subordinada a uma condição resolutiva, isto é, que poderá ser levada a termo no caso desta condicionante ser alcançada, fato este que fará com que a titularidade sobre as quotas retorne do locador para o locatário ou terceiro.

Em vista do caráter resolúvel ora em comento, as quotas que foram transferidas e cedidas em garantia, ficarão sob a propriedade do locador pelo prazo em que o contrato de locação viger, a fim de que este, através de procedimento próprio - que será abordado mais adiante -, possa utilizá-las como meio de solver débitos oriundos da relação ex locato e provenientes do descumprimento dos deveres locatícios pelo locatário.

Por conseguinte, em referência às locações de imóveis urbanos, considera-se como condição resolutiva o término da relação contratual estabelecida entre os contratantes, locador e locatário, independentemente do modo e do motivo, se por denúncia, se em decorrência da prática de infração legal ou contratual, dentre outros. Todavia, ressalvamos, desde logo, que os efeitos desta condição somente serão operados em favor do locatário quando este, tendo cumprido integralmente as obrigações firmadas no contrato de locação, estiver em dia com seus deveres contratuais, não podendo haver quaisquer pendências de caráter financeiro ou obrigacionais que resultem em consequências patrimoniais negativas em desfavor do locador.

Em ocorrendo, pois, o término da relação locatícia e estando o locatário inadimplente com alguma ou algumas obrigações e/ou havendo pendências oriundas do contrato de locação, as quotas não retornarão para a titularidade do locatário, ou de terceiro cedente, mas permanecerão sob a propriedade do locador pelo o motivo informado e para o fim destacado anteriormente, em vista da mora do locatário.

Fundamentado na doutrina civilista atual, a mora poderá ser qualificada como suportável ou insuportável, isto a critério do locador, por questões de conveniência e oportunidade, sendo este o agente que determina o limite tolerável para o atraso no cumprimento das obrigações contratualmente estabelecidas para o locatário.

Destarte, com escopo nos §§ 6° e 7°, da Lei 11.196/2005, na situação em que o locatário estiver em mora, ou seja, quando este não tiver efetuado o pagamento ou cumprido a obrigação no tempo, no lugar ou na forma convencionada entre as partes no contrato de locação, entendemos ser dois os caminhos pelos quais poderá o locador percorrer.

O primeiro deles, desenvolver-se-á na esfera extrajudicial, situação em que deverá o locador notificar extrajudicialmente o locatário (ou, na hipótese de terceiro ser o cedente das quotas, ambos), comunicando o prazo de dez dias para quitação integral da dívida, sob pena de, em caso de descumprimento, ser promovida a excussão extrajudicial da garantia locatícia.

Assim, transcorrido o prazo sem que tenha havido o pagamento do débito, o locador, mediante requisição à instituição financeira responsável pela administração do fundo, solicitará a transferência das quotas ofertadas em garantia, quantas bastem para solver a obrigação pendente, restando limitada à quantia cedida em garantia. Sob este prisma, entendemos que, não sendo as quotas suficientes para suprir o valor total da dívida, poderá o locador, pelos meios próprios e, agora, judicialmente, penhorar outros bens do locatário, buscando satisfazer seu crédito, não podendo serem atingidos outros bens do cedente, senão aqueles concedidos em cessão fiduciária, caso seja este pessoa distinta da do locatário, em vista da responsabilidade estar circunscrita aos valores mobiliários que foram cedidos em garantia ao cumprimento das obrigações locatícias.

Nessa sentido, a propriedade sobre as quotas, que, no momento inicial da locação, quando estas foram ofertadas para garantir eventuais débitos e transferidas provisoriamente para o locador, apresentava caráter resolúvel, serão transferidas plenamente para este, por intermédio do cumprimento da excussão extrajudicial, e em caráter exclusivo e irrevogável, tornando-se parte de seu patrimônio.

Em vista do exposto, salientamos que o artigo 1365, caput e parágrafo único, do Código Civil, não tem aplicação prática na hipótese em que a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento for instituída como modalidade de garantia locatícia, pois, do contrário, se inviabilizaria a efetividade desta garantia, a qual resulta da transmissão das quotas do fundo de investimento ao credor nos casos em que ocorrer inadimplemento por parte do locatário, sem que, para isto, haja a necessidade de manifestação por parte do Poder Judiciário, tornando, por assim ser tratada, a cessão fiduciária em garantia mais atrativa para os locadores.

Ademais, concluída a transferência das quotas do fundo de investimento para o locador, nas condições descritas anteriormente, poderá este, ainda, promover a respectiva ação de despejo, visando, em definitivo, resolver a relação contratual e reaver o imóvel locado para si, além de poder demandar, por via de ação de execução, o locatário pela diferença que, porventura, possa existir, na hipótese em que a garantia oferecida pelo locatário se mostre insuficiente face ao valor da dívida.

Já o segundo caminho que poderá ser percorrido pelo locador, é trilhado na esfera judicial diretamente. Neste caso, ao locatário é concedido o direito purgar a mora, podendo, inclusive, manter vigente o contrato de locação, conforme encontra-se previsto no inciso II e seguintes, do artigo 62, da Lei 8.245/1991. Ressalta-se, por oportuno, que optando o locador por demandar judicialmente o locatário pelo inadimplemento ou descumprimento contratual, somente poderá realizar a excussão das quotas cedidas em garantia extrajudicialmente após ter transcorrido o prazo para purgação da mora. Todavia, não ficará o locador impedido de buscar a penhora das quotas do fundo de investimento, valendo-se, para tanto, do procedimento referente ao cumprimento de sentença.

Dada a relevância do ato expropriatório e em razão de ser considerado uma violência patrimonial legalmente instituída, mas, em boa parte das casos, deveras necessária, houve por bem o legislador, objetivando coibir quaisquer condutas fraudulentas por parte do locador, ou do conluio formando entre este e o gestor do fundo de investimento, almejando se beneficiar do patrimônio alheio sem que haja, para tanto, situação de inadimplência pendente, destacar categoricamente a responsabilidade do locador, quando este promover a excussão extrajudicial de forma indevida, pelo prejuízo que causar ao locatário, ou terceiro cedente, sendo obrigado também a proceder com a devolução das quotas, ou do valor correspondente atualizado, conforme prescrito no § 8°, do artigo 88, da Lei 11.196/2005.

Dentro deste contexto, de acordo com o § 9°, deste mesmo artigo, a instituição financeira somente responderá pelos prejuízos dispostos nos parágrafos mencionados acima, nas hipóteses em que houver comprovado dolo, má-fé, simulação, fraude ou negligência, no desempenho da administração do fundo de investimento, situações nas quais sua responsabilização estabelecer-se-ia somente quando sua performance fosse qualificada como culposa latu senso, sendo prestigiada, deste modo, a teoria da responsabilidade subjetiva.

Já em se tratando da hipótese em que ocorrer a prorrogação automática do contrato de locação, prevista no § 5°, em sendo o cedente terceira pessoa distinta da do locatário, permanecerá responsável por todos os efeitos provenientes da relação ex locato pelo prazo que perdurar a relação ex locato, independentemente de manifestação de concordância positiva para tanto em eventual aditivo. Por oportuno, recomendamos que seja consignado no bojo do contrato de locação a presente situação, no sentido de documentar a prorrogação da cessão fiduciária em garantia quando ocorrer a dilação do prazo do contrato de locação, buscando, desta maneira, minimizar entendimentos e vertentes que coloquem em situação sensível a manutenção da garantia contratada.

Todavia, ressalva a Lei, que ao cedente é garantido o direito de exonerar-se das responsabilidades advindas da garantia ofertada, a qualquer tempo, devendo ser promovida por via de notificação endereçada ao locador, ao locatário e à administradora do fundo de investimento - quando o cedente for pessoa distinta da do locatário -, devendo ser respeitado o prazo de antecedência mínimo de trinta dias. E, neste caso, visando dar continuidade à locação firmada com o locador, caberá ao locatário oferecer nova garantia, sob pena de, em caso negativo, incidir em descumprimento contratual, que poderá culminar em ação de despejo, promovida esta pelo locador, e com efeitos liminares, de acordo com a previsão do artigo 59, § 1°, inciso VII, da Lei 8.245/1991.

Sobre esta temática, nos parece desarrazoado validar o ato de exoneração do garantidor quando o garantido estiver em mora com suas obrigações locatícias. Portanto, nas situações em que o locatário não estiver em dia com seus respectivos deveres, advogamos no sentido de que não poderá o cedente exonerar-se das responsabilidades oriundas do contrato de locação, sob pena de, no momento em que for necessário excutir a garantia para o fim de solver eventual dívida, se deparar o locador com uma garantia ineficiente.

Derradeiramente, tendo como base o artigo 40 da Lei do Inquilinato, dispositivo no qual constam o rol de situações nas quais poderá o locador exigir do locatário a substituição da modalidade de garantia firmada no contrato de locação, nota-se que, com a promulgação da Lei 11.196, de 21 de Novembro de 2005, ao artigo em destaque foram incluídas as situações dispostas nos incisos VIII e IX, respectivamente. Logo, com o advento desta modalidade de garantia contemporânea ao rol das garantias locatícias clássicas, ato contínuo houve por bem o legislador constituinte determinar regramento próprio para os casos em que a cessão de quotas de fundo de investimento tornar-se inócua.

Nesse sentido, tais inovações jurídicas possibilitaram ao locador, nos casos em que ocorrer a exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento (inciso VIII) ou houver a liquidação ou encerramento do fundo de investimento, gestor das quotas que foram cedidas a título de garantia, com base no artigo 37, inciso IV, da Lei 8.245/1991 (inciso IX), requerer do seu inquilino a substituição da proteção contratualmente estabelecida pelas partes, sob pena de, caso seja do interesse do locador, ser resolvida a relação ex locato, sem prejuízo das demais penalidades previstas no instrumento de locação.

1 - A Comissão de Valores Imobiliários (CVM), instituída pela Lei 6.385, de 7 de Dezembro de 1976, com sede no Rio de Janeiro, é uma autarquia ligada ao Ministério da Fazenda da União, responsável por normalizar, fiscalizar e disciplinar, o mercado de valores mobiliários e seus respectivos integrantes.

Rubens Van Moorsel Filho - Advogado, Professor, Corretor de Imóveis e Perito Judicial, especializado em Direito Imobiliário.
Fonte: Van Moorsel Advogados

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