terça-feira, 3 de abril de 2018

O PAPEL DOS AVALIADORES IMOBILIÁRIOS COMO PERITOS JUDICIAIS


No âmbito do processo civil brasileiro, grande parte das demandas judiciais culminam na necessidade de realização de penhora de bens, reputando-se necessária as devidas avaliações. Assim, quando da intervenção estatal na propriedade alheia, reputa-se devida a realização da avaliação dos imóveis ali discutidos, visando identificar o valor mercadológico atribuído aos mesmos, dando efetividade ao processo e velando pelos princípios que o norteiam.

A legislação processual estabelece a atribuição para a respectiva avaliação a profissionais habilitados que podem exercer o munus de expert em juízo, seja através da nomeação para perito oficial, seja pelo avaliador efetivo do Poder Judiciário, cujo exercício se dá, grande parte das vezes, concomitantemente aos titulares do cargo de Oficial de Justiça.

Ocorre que muitos dos laudos dos avaliadores imobiliários elaborados nas referidas demandas são impugnados e, não muito raramente, são anulados pelas instâncias superiores, tendo em vista, principalmente, a discrepância de valores apresentados pelo expert e por laudos de profissionais particulares contratados pelas partes.

Para tanto, o Código de Processo Civil – CPC/2015, através do seu artigo 873, III, admite a nova avaliação quando houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na avaliação anterior:

Art. 873. É admitida nova avaliação quando:

I - qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador;

II – (...),

III - o juiz tiver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira avaliação.

Nos termos do dispositivo transcrito, constata-se que quando há grande disparidade de valores entre o laudo do perito nomeado e dos expertscontratados pelas partes e dotados de conhecimentos técnicos, necessário que seja realizada perícia/avaliação por perito, a ser designado pelo juízo de origem.

Assim, a medida mais prudente a ser tomada pelo juízo – para evitar ou reduzir o sucesso das impugnações - deveria ser designada perícia específica a ser realizada por profissional com conhecimento na área, pois a perícia judicial possui eficácia juris tantum, ou seja, presunção de veracidade que só pode ser desconstruída com prova robusta em contrário.

Ante tal sugestão, tem-se o regramento disposto no artigo 870, parágrafo único do CPC/2015, que prevê:

Art. 870. A avaliação será feita pelo oficial de justiça.

Parágrafo único. Se forem necessários conhecimentos especializados e o valor da execução o comportar, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do laudo.

E é nesse ponto que surge o questionamento: qual é o profissional dotado de conhecimentos técnicos para avaliação de imóveis?

O Código de Processo Civil apenas trouxe a previsão de nomeação desse avaliador quando necessários conhecimentos especializados, contudo, quedou-se inerte acerca de qual seria este profissional. Nesse ponto, a jurisprudência elencou os seguintes profissionais: engenheiro civil, arquiteto, engenheiro agrônomo e corretor de imóveis.

Os três primeiros surgiram da previsão legal contida no artigo 7º, c, da Lei nº. 5.194, de 24 de dezembro de 1966, que regula o exercício das respectivas profissões.

Já o corretor de imóveis foi extraído do entendimento de que “o imóvel é observado a partir de critérios de mercado, considerado como bem inserido em contexto geográfico e humano, diversamente das características eminentemente técnicas que aos profissionais submetidos ao CREA importariam” 1 e que “a avaliação de imóvel não é atribuição privativa de engenheiro, podendo ser realizada por outros profissionais. A Lei exige tão somente conhecimento técnico ou científico e o avaliador judicial, assim nomeado, bem como o corretor de imóveis devem ser exímios conhecedores do mercado imobiliário”.

Contudo, muitos tribunais pátrios eram resistentes à nomeação do corretor de imóveis, tendo em vista que o Código de Processo Civil de 1973, previa em seu artigo 145 § 1º, que “os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente”.

Ocorre que, em meados de 2007, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis editou a Resolução nº. 1.066/2007, regulamentada posteriormente pelo Ato Normativo nº. 001/2011, que criou a profissão de Avaliador de Imóveis, que “é aquele que determina o valor de imóveis não apenas para compra e venda, mas também para questões judiciais, como partilha de bens, ou para prefeituras e governos que precisam, por exemplo, efetuar desapropriações” 3, devendo estar incluído no Cadastro Nacional de Avaliadores de Imóveis (CNAI), cuja inclusão depende de curso técnico de avaliação imobiliária ou diploma em curso superior de gestão imobiliária, em instituição reconhecida pelo COFECI.

Tal profissional passou a ser regulado pelas normas do respectivo Conselho, além da Lei nº. 6.530/78 e das NBR’s 14653-1, 14653-2 e 14653-3 da ABNT, cujo “objetivo da Resolução é satisfazer e fornecer ao cidadão uma avaliação eficaz do seu imóvel, determinada e real, com os conteúdos e requisitos ideais de conhecimento, fugindo de uma simples declaração de avaliação, que, às vezes, eram efetuadas sem qualquer padronização. É a segurança do mercado imobiliário que se objetiva, o que demonstra estar em harmonia com a finalidade da Lei n. 6.530/79” 4.

O Avaliador de Imóveis, inscrito no CNAI (Cadastro nacional de Avaliadores Imobiliários), possui a capacidade de emitir o PTAM (Parecer Técnico de Avaliação Mercadológica), documento este que, através de critérios técnicos, faz análise de mercado com vistas à determinação do valor de comercialização de um imóvel, judicial ou extrajudicialmente.

Ao final, os Avaliadores Imobiliários emitirão selo certificador emitido pelo COFECI, o que garante maior credibilidade ao parecer emitido. Inclusive, trata-se de um procedimento padronizado nacionalmente, que diminui em grande escala eventuais erros ou vícios na elaboração do respectivo laudo, tornando a existência destes praticamente nulos.

Cumpre salientar que referido profissional vem sendo reconhecido pelos tribunais brasileiros como aquele que possui capacidade técnica suficiente para avaliação de bens imóveis. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - PEDIDO DE NOVA AVALIAÇÃO JUDICIAL DO BEM IMÓVEL PENHORADO - IMPUGNAÇÃO AO PERITO NOMEADO, POR NÃO POSSUIR QUALIFICAÇÃO TÉCNICA FORMAL DE ENGENHEIRO CIVIL OU AGRÔNOMO - AUSÊNCIA DE INSURGÊNCIA NO MOMENTO OPORTUNO - PRECLUSÃO, CONSOANTE PRECEDENTES DO STJ - HIPÓTESE, ADEMAIS, EM QUE O PROFISSIONAL NOMEADO É PERITO IMOBILIÁRIO, COM CADASTRO NO CNAI (CADASTRO NACIONAL DE AVALIADORES DE IMÓVEIS) E NO CRECI (CONSELHO REGIONAL DE CORRETOR DE IMÓVEIS), DE MODO QUE POSSUI CAPACIDADE TÉCNICA SUFICIENTE PARA AVALIAÇÃO DE BENS IMÓVEIS - NÃO CONFIGURAÇÃO DE DOLO (TJ-PR, Agravo de Instrumento nº 1.546.915-3 - 13ª Câmara Cível, Rel. Josély Dittrich Ribas, DJe de 18.04.2017).

Inclusive, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, a exigência de nível universitário foi suprimida, passando a exigir apenas a habilitação legal no respectivo órgão e inscrição em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado 5, o que apenas reforça a intenção do referido códex em autorizar a nomeação de referidos profissionais para atuarem como peritos judiciais.

Conclui-se que o profissional indicado pelo Código de Processo Civil e pela jurisprudência pátria, no que tange à avaliação de bens imóveis, é o Corretor de Imóveis, habilitado no Cadastro Nacional de Avaliadores Imobiliários, posto que o mesmo possui qualificação profissional suficiente para a realização do competente Laudo de Avaliação, além de dispor de procedimentos que garantam a integridade do documento e asseguram a tecnicidade do parecer emitido. Esses então atuando como avaliadores imobiliários, no papel de peritos judiciais.

1 - TRF4 - AC n. 2009.71.99.002703-6, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Dje de 08/07/2009;

2 - TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 52891-50.2015.8.09.0000, Rel. DES. ORLOFF NEVES ROCHA, 1A CÂMARA CIVEL, julgado em 10/03/2015, DJe 1750 de 19/02/2015;


4 - AC 0010520-92.2007.4.01.3400/DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, TRF4, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 p.103 de 23/07/2010.

5 - Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.

§ 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado.

Felipe Cardoso Araújo Neiva - Advogado integrante da banca Crosara Advogados Associados S/S, pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e Secretário-Geral do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD).
Fonte: Artigos JusBrasil

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